Como sabemos, as formas de relacionamento nos primeiros anos
de vida podem marcar decisivamente nossas futuras relações com o mundo.
A capacidade do adulto de lutar por seus objetivos, por
exemplo, está muito ligada à maneira como a criança, a partir de um ano, luta
por suas coisas.
Esse despertar da combatividade na criança pode criar
situações incômodas. Porque, nessa fase, LUTAR É MORDER. E morder dói, deixa
marcas. E os pais ficam muito encucados com isso.
Se o filho morde: “Meu Deus, será que ele não vai ser
violento”.
Se é mordido: “Então ele vai passar a vida deixando que os
outros batam nele?”
É sobre isso que vamos falar. E começar lembrando que uma
das primeiras formas de relação de uma criança com a outra é a disputa por um
objeto qualquer. E essa disputa é sempre em função do objeto que ela quer ter,
e não propriamente contra a outra criança.
É um momento muito importante para ambas. É a primeira
manifestação de combatividade, o uso de uma força interna para conseguir algo
por conta própria.
Uma violência basicamente positiva, embora o método, nesta
fase, não seja dos mais elegantes: A MORDIDA.
Por que a criança morde? Simplesmente porque sua força ainda
é oral.
Neste contexto, a mordida é primordialmente uma força de
combatividade e não agressão ao outro. A prova é que a criança morde em
qualquer lugar: no braço, no ombro, nas costas.
Agora, vamos supor que a criança esteja disputando alguma
coisa (um chaveiro, caneta) com um adulto. Ela logo percebe que o adulto é
forte, e que sua força interna no momento é menor que a dele.
A BOCA não é nada contra aquele gigante. Então o que ela faz?
FAZ BIRRA. Grita, se deita no chão, bate o pé... É a única forma que ela
encontra de manifestar sua força interna, sua capacidade de lutar por um
objetivo. A birra é a mordida psicológica e o inimigo é fisicamente mais
forte.
Os pais em geral não estão preparados para viver estes
momentos.
Nem para a birra nem para a mordida. Na birra o componente
social influi muito.
Com a mordida é a mesma coisa. Chegar em casa mordido já
complica.
A marca está ali, dolorosa, feia. A reação dos pais. “Mas
como, nosso filho, tão pequeno, já é um saco de pancadas?”
EDUCAR PARA INDEPENDENCIA
Especialmente quando vivida numa escola, a liberdade de
disputar as coisas (mesmo com risco de mordidas) é fundamental para a criança
aprender a lutar por seus pequenos objetivos.
Mas o importante, é a postura interna que neste momento está
formando: diante do obstáculo, a criança enfrenta com os meios de que dispõe,
ou, reprimida, volta atrás.
O IMPORTANTE É QUE O ADULTO PERMITA O EXERCICIO DA
COMBATIVIDADE
Na escola é mais fácil. As crianças estão todas na mesma
faixa etária e as professoras(es) preparadas para enfrentar com tranquilidade
as disputas entre elas (é o que se espera). Com os pais parece que é mais
complicado. Chega no parquinho, mal o filho vai disputar um brinquedo com outra
criança, a mãe corre ansiosamente em cima: “empresta o balanço para ele, que
logo ele devolve.”
Pronto, o problema foi resolvido, só que do ponto de
vista do adulto, do ponto de vista social.
Para a criança, não tem isso de emprestar um pouquinho que
depois ele devolve: ela quer o brinquedo naquele momento. A pronta e ansiosa
intervenção do adulto condiciona a criança a depender dos outros para conseguir
o que quer.
DISPUTAR É UM DIREITO DELE. Hoje perder, amanhã ganhar,
avaliar, sua força tudo isso é um grande aprendizado. A disputa é uma fase
natural do desenvolvimento e, quanto menos o adulto gera ansiedade em cima
dela, mais rapidamente ela passa.
Se o pai fica muito ansioso, passa para a criança que a
postura de brigar pelas coisas não é uma atitude. A criança começa a se
retrair, a não enfrentar nada sozinha. E depois tende a ser aquele tipo
de adulto que, SEM PAI, SEM MÃE E ANALISTA, TEM DIFICULDADE PARA TOMAR
DECISÕES.
Enfim, é preciso ter a oportunidade de exercitar essa
maturação nos primeiros anos de vida. A combatividade, a luta pelos seus
próprios desejos são traços ricos e fecundos de uma personalidade madura.
Glaciene Januário Hottis Lyra
Professora da UEMG – Universidade
do Estado de Minas Gerais. Coordenadora de Extensão NUPEX – UEMG. Coordenadora Pedagogica
da Escola Officina do Saber – Carangola/MG.
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